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Caráter confiscatório da multa de 150% aplicada em casos de sonegação, fraude ou conluio tem repercussão geral reconhecida

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O Supremo Tribunal Federal irá decidir em repercussão geral (Recurso Extraordinário 736090) se a multa de 150% prevista no artigo 44, I, § 1º da Lei 9.430/199 e aplicada pela Receita Federal em razão de sonegação, fraude ou conluio, tem caráter confiscatório.

O STF já enfrentou matéria parecida no julgamento proferido na ADI 551-1/RJ, DJ 14.02.2003. Naquele julgamento, o STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 57 do ADCT da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que previa que as multas decorrentes do não recolhimento dos impostos e taxas estaduais, não poderiam ser inferiores a duas vezes o seu valor, bem como, no caso de sonegação, as multas não poderiam ser inferiores a cinco vezes o seu valor. Foi argüida a inconstitucionalidade do art. 57 por ferir o Princípio do Não-Confisco (150, IV da CF/88), in verbis:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §§ 2.º E 3.º DO ART. 57 DO ATO DAS DOSPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FIXAÇÃO DE VALORES MÍNIMOS PARA MULTAS PELO NÃO-RECOLHIMENTO E SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO INCISO IV DO ART. 150 DA CARTA DA REPÚBLICA.

A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal. Ação julgada procedente.”

(ADI 551/ RJ, Relator Ministro ILMAR GALVÃO, Julgamento: 24/10/2002, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 14.02.2003, p. 58)

De se notar que no referido julgamento estava se tratando de multa decorrente do não recolhimento de tributo e de multa decorrente da sonegação de imposto, sendo que ficou consignado no voto do Ministro Marco Aurélio, que “embora haja dificuldade, … para se fixar o que se entende por multa abusiva, constatamos que as multas são acessórias e não podem como tal, ultrapassar o valor do principal.”

Contudo, a maior parte dos ministros concluiu que as multas eram confiscatórias, mas não estabeleceram quais eram os limites que as tornavam confiscatórias, ou desproporcionais. Desta forma, não há como prever como se resolverá esta questão.

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Justiça Federal concede liminar para afastar multas do Siscoserv

Saiu hoje publicado no jornal Valor Econômico, que a juíza Leila Paiva Morrison, da 10ª Vara Federal Cível de São Paulo, concedeu liminar para liberar um contribuinte de pagar multas do Siscoserv.

Os fundamentos da decisão foram todos de ordem constitucional. De acordo com o jornal a decisão mencionou que a lei não previu qualquer multa e “a criação de infrações somente pode ser estabelecida por meio de lei”. Ainda de acordo com o “Valor” é a primeira decisão liminar sobre o tema que se tem notícia (as multas foram instituídas em 2012).

Fiquei muito satisfeita com a notícia. Recentemente, escrevi junto com Augusto Fauvel de Moraes um  artigo abordando o tema justamente sob o aspecto constitucional da questão – (Inconstitucionalidade e Ilegalidade das Multas do Siscoserv e Denúncia Espontânea).

A Constituição Federal tem sido muito esquecida quando se trata de questões administrativas/tributárias e não é incomum que uma exigência seja perfeitamente lícita no âmbito legal e absolutamente nula na esfera constitucional.

Assim, aqueles que foram apenados com multas do Siscoserv têm grandes chances de deixar de pagá-las e pedir de volta os valores pagos, por violação não só ao princípio da legalidade, mas por violação ao princípio constitucional da proporcionalidade.

Segue link do artigo mencionado, onde estão detalhadas as razões das inconstitucionalidades das exigências.

https://tributarionosbastidores.wordpress.com/2015/06/16/mul-sis/

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Não é cabível multa por falta de retenção do IRRF por antecipação pela fonte pagadora

Crisis-Business-Concept-PPT-BackgroundsResumo: o  post menciona que existem duas espécies de retenção do imposto de renda  na fonte, a exclusiva e a por antecipação, sendo que, na segunda, a responsabilidade pelo pagamento do respectivo imposto passa a ser do beneficiário dos rendimentos após o encerramento do período de apuração, sendo incabível a aplicação  à fonte pagadora, da multa pela falta de retenção ou de recolhimento.

Existem dois regimes de retenção do IRRF:

– retenção exclusiva, hipótese na qual a responsabilidade pela retenção e recolhimento do imposto cabe exclusivamente a fonte pagadora; e

– retenção do imposto por antecipação pela qual se atribui à fonte pagadora a retenção e recolhimento do imposto de renda na fonte, mas a legislação determina que a apuração definitiva do imposto de renda seja efetuada pelo contribuinte, pessoa física, na declaração de ajuste anual, e, pessoa jurídica, na data prevista para o encerramento do período de apuração em que o rendimento for tributado, seja trimestral, mensal estimado ou anual.

Na segunda hipótese, o Parecer Normativo nº 1 de 24 de setembro de 2002, deixa claro que a responsabilidade da fonte pagadora se extingue, no caso de pessoa física, no prazo fixado para a entrega da declaração de ajuste anual, e, no caso de pessoa jurídica, na data prevista para o encerramento do período de apuração em que o rendimento for tributado, seja trimestral, mensal estimado ou anual.

Apesar da existência do Parecer, muitos autos de infração de IRRF são lavrados contra a fonte pagadora, mesmo na hipótese em que há retenção do imposto por antecipação e já transcorreu o prazo mencionado, sendo que o CARF tem reconhecido que deve ser excluída a responsabilidade da fonte, com a transferência para o beneficiário do rendimento.

Não obstante isso, em um acórdão recente o CARF decidiu que apesar de não perdurar a responsabilidade atribuída à fonte pagadora, por força do artigo 9º da Lei nº Lei 10.426/2002  deve ser aplicada multa de 75% sobre a totalidade do imposto, prevista no inciso I do caput do art. 44 da Lei no 9.430/96 e duplicada se tiver ocorrido sonegação, fraude ou conluio.

Eis a ementa do julgado:

“FALTA DE RETENÇÃO E DE RECOLHIMENTO. MULTA. OBRIGAÇÃO DA FONTE PAGADORA. Após o encerramento do período de apuração, a responsabilidade pelo pagamento do respectivo imposto passa a ser do beneficiário dos rendimentos, cabível a aplicação, à fonte pagadora, da multa pela falta de retenção ou de recolhimento, prevista no art. 9º, da Lei nº 10.426, de 2002, com a redação dada pela Lei nº 11.488, de 2007, ainda que os rendimentos tenham sido submetidos à tributação no ajuste. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. INAPLICABILIDADE. O oferecimento dos rendimentos à tributação pelo beneficiário, combinado com o recolhimento de multa de mora pela fonte pagadora, não caracteriza denúncia espontânea, relativamente à obrigação desta última, de reter e recolher o imposto. Recurso especial provido (Número do Processo 10480.723385/2010­65, Acórdão 9202­003.580).

Contudo, esse entendimento pode ser questionado, pois com a edição da Medida Provisória 351/2007, posteriormente convertida na Lei 11.488/2007, foi alterado tanto o artigo 44 da Lei 9.430/96, bem como o artigo 9º da Lei nº 10.426/2002. Com a nova redação das leis, a multa deve ser exigida do beneficiário do rendimento e não mais da fonte pagadora.

Vale dizer, não há mais base legal para o lançamento de multa de ofício em desfavor da fonte pagadora nos casos de IRRF não retido ou não recolhido, depois que a responsabilidade pelo pagamento do imposto se desloca para o beneficiário.

Neste sentido outro julgado mais antigo do CARF

“IRRF TRIBUTO RECOLHIDO A DESTEMPO DENÚNCIA ESPONTÂNEA MULTA MORATÓRIA INDEVIDA. O instituto da denúncia espontânea, previsto no artigo 138 do Código Tributário Nacional, exclui a responsabilidade pela infração e impede a exigência de multa de mora, quando o tributo devido for pago, com os respectivos juros de mora, antes do início do procedimento fiscal e em momento anterior à entrega de DCTF, de GIA, de GFIP, entre outros, tal qual se verifica neste feito. Por força do artigo 62A do RICARF, aplica-se ao caso a decisão proferida pelo Egrégio STJ, sob o rito do recurso repetitivo, nos autos do REsp n° 1.149.022/SP. Ademais, salvo melhor juízo, a própria ProcuradoriaGeral da Fazenda Nacional reconheceu a procedência desta tese através do Ato Declaratório n° 04/2011 (DOU de 21/12/2011, p. 36). MULTA DE OFÍCIO ISOLADA IMPROCEDÊNCIA RETROATIVIDADE BENIGNA. A multa isolada exigida pelo recolhimento extemporâneo de tributo, desacompanhado da multa de mora, tinha previsão legal no artigo 44, incisos I e II, § 1°, inciso II e § 2°, da Lei n° 9.430/96. Ocorre, que referido dispositivo legal restou alterado pela Medida Provisória n° 351, de 22/01/2007, convertida na Lei n° 11.488/2007, sendo que a penalidade em apreço deixou de existir. Aplicação ao caso do princípio da retroatividade benigna (artigo 106 do CTN). Recurso especial provido (Processo: 16327.001999/2003­12, Data da Sessão 16/02/2012, Acórdão 9202­001.938).

Além disso, referida multa, no nosso entendimento, viola o princípio constitucional da proporcionalidade, que ordena que o nexo entre o fim que se busca e a forma utilizada deva ser proporcional, não excessiva.

Vale dizer, deve haver uma relação adequada entre eles. Uma norma é desproporcional quando o fato que a fundamentou não tem coerência com a medida tomada, ou se existente alguma relação lógica, não há proporção de equilíbrio entre o fato e a medida, como no caso em análise.

Assim, aqueles que quiserem discutir a validade da imposição da multa, devem ajuizar ação. Esclareço que no Judiciário as chances de ganho são maiores, visto que, além de ilegalidade, no caso, há inconstitucionalidade na exigência. Lembro que a matéria de ordem constitucional somente pode ser apreciada pelo Poder Judiciário, sendo proibido ao CARF analisar este tipo de matéria.

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Inconstitucionalidade e Ilegalidade das Multas do Siscoserv e Denúncia Espontânea (*)

dollar-sign-blue-yellowResumo: Este post trata do direito de pedir a devolução dos valores pagos a título de multa ao Siscoserv, bem como do direito de deixar de pagar a exigência, em vista da inconstitucionalidade e ilegalidade das multas.

A Lei nº 12.546/2011, no seu artigo 25, instituiu obrigação para os residentes e domiciliados no país de prestarem informações ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, relativas às transações entre estes e residentes ou domiciliados no exterior, que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados.  Para implementar a determinação e registrar as informações foi criado o Siscoserv.

Além das informações sobre as transações acima mencionadas, o Siscoserv recebe informações sobre as operações de exportação e importação de serviços, intangíveis e demais operações; e às operações realizadas por meio de presença comercial no exterior relacionada à pessoa jurídica domiciliada no Brasil.

Em síntese, o Siscoserv foi criado com o objetivo de acompanhar e avaliar o comércio internacional de serviços. Vale dizer, foi instituído com a finalidade de criar uma base de dados com as informações das transações realizadas e, com estas, estimular a produção de novos serviços, ou aperfeiçoamento dos já existentes.

Pois bem, a Instrução Normativa RFB nº 1.277, de 28 de junho de 2012, que regulamentou a obrigação de prestar informações relativas às transações mencionadas, estipulou que são obrigados a prestar informações:

(i) o prestador ou tomador do serviço residente ou domiciliado no Brasil;

(ii) a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no Brasil, que transfere ou adquire o intangível, inclusive os direitos de propriedade intelectual, por meio de cessão, concessão, licenciamento ou por quaisquer outros meios admitidos em direito;

(iii) a pessoa física ou jurídica ou o responsável legal do ente despersonalizado, residente ou domiciliado no Brasil, que realize outras operações que produzam variações no patrimônio.

O dever de prestar informação para o Siscoserv é obrigação de natureza acessória. De fato, existem dois tipos de obrigação: a principal e a acessória. A primeira consiste em obrigação de dar de natureza patrimonial e a segunda de fazer, ou não fazer sem natureza patrimonial.

Apesar de ser obrigação de natureza não pecuniária, o descumprimento de obrigação acessória geralmente é punido com sanção de cunho econômico. Nesse aspecto, a IN RFB nº 1.277/2012 institui sanções consistentes em multas, na hipótese do sujeito passivo deixar de prestar as informações ou que apresentá-las com incorreções ou omissões. As penas estão previstas no artigo 4º, cuja redação atualizada é a seguinte:

“Art. 4º O sujeito passivo que deixar de prestar as informações de que trata o art. 1º ou que apresentá-las com incorreções ou omissões será intimado para apresentá-las ou para prestar esclarecimentos no prazo estipulado pela RFB e sujeitar-se-á às seguintes multas:

I – por apresentação extemporânea:

a) R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês-calendário ou fração, relativamente às pessoas jurídicas que estiverem em início de atividade ou que sejam imunes ou isentas ou que, na última declaração apresentada, tenham apurado lucro presumido ou tenham optado pelo Simples Nacional;

b) R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) por mês-calendário ou fração, relativamente às demais pessoas jurídicas;

c) R$ 100,00 (cem reais) por mês-calendário ou fração, relativamente às pessoas físicas;

II – por não atendimento à intimação da RFB para cumprir obrigação acessória ou para prestar esclarecimentos nos prazos estipulados pela autoridade fiscal: R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês-calendário;

III – por cumprimento de obrigação acessória com informações inexatas, incompletas ou omitidas:

a) 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor das transações comerciais ou das operações financeiras, próprias da pessoa jurídica ou de terceiros em relação aos quais seja responsável tributário;

b) 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento), não inferior a R$ 50,00 (cinquenta reais), do valor das transações comerciais ou das operações financeiras, próprias da pessoa física ou de terceiros em relação aos quais seja responsável tributário”.

Ocorre que, mesmo havendo descumprimento da obrigação acessória, as multas previstas na IN RFB nº 1.277/2012 são inconstitucionais, pois ferem o princípio da legalidade e proporcionalidade. Além disso, as multas dos incisos I e II do artigo 4º são absolutamente descabidas porque se aplicam sucessivamente pelo mesmo fato.

Ademais, pode haver a denúncia espontânea para afastar sanção decorrente de inadimplemento da obrigação acessória de prestar informações ao Siscoserv.

Violação ao Princípio da Legalidade

A imposição de multas pelo Poder Executivo somente é admissível por meio de lei, caso contrário, ocorre violação ao princípio constitucional da legalidade previsto nos artigos 5º, II e 37, da Constituição Federal, bem como nos artigos 2º e 53 da Lei nº 9.784/99 e ainda, no artigo 97, II do CTN.

Isto é assim, pois qualquer norma emanada da Administração que implique na criação de limi­tes à liberdade pessoal ou patrimonial dos administrados, que não estiver respaldada em expressa autorização legal, será de todo inválida. Vale dizer, estando submetidos ao princípio da legalidade, todos os elementos necessários à instituição penalidades devem ser fixados por lei.

Como bem adverte Celso Antônio Bandeira de Mello, nem mesmo por delegação legislativa pode o Poder Executivo “incluir no sistema positivo qualquer regra geradora de direito ou obrigação novos” (in “Ato Administrativo e Direitos dos Administrados”, 1991, RT, p. 95)

As multas instituídas pela IN RFB nº 1.277/2012 não foram estabelecidas por lei, mas por mera instrução normativa, com absoluta violação ao princípio da legalidade da tributação, criando exigência é inconstitucional.

De se salientar que, a Receita Federal justifica a instituição das multas do Siscoserv, com base no artigo 16 da Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, que tem a seguinte redação:

“Art. 16. Compete à Secretaria da Receita Federal dispor sobre as obrigações acessórias relativas aos impostos e contribuições por ela administrados, estabelecendo, inclusive, forma, prazo e condições para o seu cumprimento e o respectivo responsável”.

Contudo, mesmo que se pudesse admitir que uma lei pudesse delegar para a Receita Federal a instituição de penalidades, ainda assim, o referido artigo não se aplica ao caso concreto, porque:

a) Está autorizando a Receita Federal a dispor sobre obrigações acessórias, nada mencionando sobre sanções.

b) As obrigações acessórias indicadas pelo artigo 16 da Lei nº 9.779/99 são relativas a impostos e contribuições administrados pela Receita Federal. Ocorre que, as multas previstas na IN RFB nº 1.277/2012 não tem relação alguma com pagamento de tributos, mas com a obrigação de prestar informações para fins econômico-comerciais ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior relativas às transações entre residentes ou domiciliados no País e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados.

Isso fica bem claro quando se vê a dicção do artigo 26 da Lei nº 12.546 de 14 de dezembro de 2011, que trata do Siscoserv e menciona que, as informações prestadas “serão utilizadas pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior na sistemática de coleta, tratamento e divulgação de estatísticas, no auxílio à gestão e ao acompanhamento dos mecanismos de apoio ao comércio exterior de serviços, intangíveis e às demais operações, instituídos no âmbito da administração pública, bem como no exercício das demais atribuições legais de sua competência”.

Violação ao Princípio da Proporcionalidade

Ainda que se pudesse admitir que as multas previstas no artigo 4º e incisos da IN RFB nº 1.277/2012 fossem válidas, mesmo assim as penalidades estão eivadas de inconstitucionalidade, por violação ao princípio constitucional da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade “tem dignidade constitucional na ordem jurídica brasileira, pois deriva da força normativa dos direitos fundamentais, garantias materiais objetivas do Estado de Direito. É haurido principalmente da conjugação dos arts. 1º, III, 3º, I; 5º, caput, II, XXXV, LIV e seus §§ 1º e 2º; 60, § 4º, IV. Nesse sentido, complementa o princípio da reserva de lei, a ele incorporando-se, de modo a converter-se no princípio da reserva legal proporcional.” (Cfr. Suzana de Toledo Barros, O Princípio da Proporcionalidade, 3ª ed., ed. Brasília Jurídica, 2003, p. 214/215).

Em outras palavras, o princípio da proporcionalidade ordena que “a relação entre o fim que se busca e o meio utilizado deva ser proporcional, não excessiva”. Deve haver uma relação adequada entre eles (cfr. Helena Nunes Campos, Princípio da proporcionalidade: a ponderação dos direitos fundamentais, Caderno de Pós-Graduação em Dir. Político e Econômico São Paulo, 2004, v. 4, n. 1, p. 23-32)

Pois bem, as normas legais que instituíram as multas em questão ferem a Constituição Federal por violação manifesta ao princípio da proporcionalidade. A multa, como sanção, não pode ser desvinculada ao “valor” do bem violado pela conduta de descumprimento da norma. E no caso, o dever violado de natureza formal não tem possibilidade de causar prejuízo aos cofres públicos.

E tendo em vista que o descumprimento da obrigação acessória não causa prejuízo de natureza pecuniária ao Poder Público, a graduação da multa deve igualmente ser compatível com a natureza da infração.

No caso, a violação à proporcionalidade é evidente, visto que as infrações objeto das multas: (i) não tem vínculo com o valor das transações comerciais ou das operações financeiras; (ii) não podem ser aplicadas sucessivamente pelo mesmo fato, eternizando a infração. Estes fatos tornam injustificada a imposição das sanções em comento, que podem atingir valores absurdos, ainda mais quando se considerar que sequer se trata de obrigação relativa à dívida, mas sim de obrigação acessória que não tem consequência pecuniária e nem traz prejuízo ao Erário.

Às Infrações Continuadas Deve ser Aplicada Apenas uma Sanção

Não bastasse a ilegalidade e a desproporcionalidade das multas, o artigo 4º da IN RFB nº 1.277/2012, nos seus incisos I e II, institui diversas multas por infrações da mesma origem. Tratam-se de penas sequenciais, para punir o mesmo fato.

Vale dizer, a IN RFB nº 1.277/2012 impõe uma penalidade relativa a cada mês calendário ou fração, desconsiderando que, se houver infração, ela será una. Tal imposição é inaceitável, pois infração da mesma origem deve ser considerada como infração continuada à qual se aplica penalidade única, pois atingem o mesmo bem tutelado e têm idêntico fundamento fático, acarretando conduta de feição sequencial.

De fato, quando há várias condutas violadoras do mesmo valor jurídico, com o mesmo fundamento fático, apenas uma penalidade pode ser aplicada. Trata-se de continuidade de um mesmo comportamento, o que acarreta a existência de apenas uma infração, pois não se justifica a cominação indiscriminada de penalidades, multiplicadas pelo número de vezes em que o contribuinte permaneceu inadimplente em prestar informações.

Nesse sentido tem decidido o CARF nos seguintes julgados: 3a. Seção / 3a. Turma da 4a. Câmara / ACÓRDÃO 3403-00.266 em 17/03/2010, Publicado no DOU em: 19.07.2011 e 3a. Seção / 2a. Turma da 4a. Câmara / ACÓRDÃO 3402-00.754, Publicado no DOU em: 24.03.2011.

Denúncia Espontânea no Caso do Siscoserv

A chamada denúncia espontânea está capitulada no artigo 138 do Código Tributário Nacional CTN, nos seguintes termos:

“Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração”.

Como se vê, a denúncia espontânea consiste, como o próprio nome diz, em auto denúncia, confissão, ou seja, o sujeito passivo, antes do início de qualquer fiscalização, notificação ou procedimento fiscal, pode assumir e regularizar junto ao Fisco suposta infração com eventuais recolhimentos e regularizações das obrigações que deixaram de ser realizadas.  A iniciativa do sujeito passivo tem o condão de impedir a aplicação de multas. Caso já tenha ocorrido qualquer tipo de fiscalização, notificação ou procedimento, não há que se falar em denúncia espontânea.

Em verdade, a finalidade da denúncia espontânea é incentivar o contribuinte inadimplente a regularizar sua situação, liquidando os valores devidos e ainda ignorados pela fiscalização. Em vista disso, no caso do Siscoserv é possível realizar a denúncia espontânea da infração para afastar a aplicação de multas, se o contribuinte que deixou de prestar as informações o fizer antes da lavratura do auto de infração e de qualquer notificação da fiscalização.

Não obstante, a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que a denúncia espontânea não tem o condão de afastar sanção decorrente de inadimplemento de obrigação acessória.

Apesar disso, entendemos que a denúncia espontânea tem o condão também de afastar as multas de natureza acessória previstas na IN RFB nº 1.277/2012. E isto porque, o artigo 138 do Código Tributário Nacional, aduz que “a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora”.

A expressão “se for o caso” deixa claro que é possível aplicar a denúncia espontânea mesmo em hipóteses em que não haverá pagamento de tributo, ou seja, quando há obrigações formais de cunho acessório.

Ademais, não se pode olvidar que existem obrigações acessórias, como as decorrentes do dever de prestar informações no Siscoserv, que se não atendidas implicam na aplicação de multas exorbitantes. Se o sujeito passivo não tiver benefício em denunciar a infração não o fará, pois, fazendo a denúncia, chamaria para si aplicação da multa pelo descumprimento da obrigação acessória.

Tendo-se em mente que o inadimplemento de obrigação acessória constitui infração tributária, o seu cumprimento fora do prazo legal, mas anterior a procedimento fiscalizatório, enseja o reconhecimento da denúncia espontânea.

Conclusão

Aquele que deixou por um lapso de prestar informações, ou as prestou com incorreções ao Siscoserv e pagou multa, tem direito de pedir a restituição dos montantes pagos. Por outro lado, aqueles que no futuro forem intimados a pagar a multa poderão questionar a exigência através de uma ação judicial.

(*) Este post é um breve resumo de um artigo escrito por mim e por Augusto Fauvel de Moraes chamado “Considerações Acerca da Multa do Siscoserv e Denúncia Espontânea” que será publicado na Revista de Direito Aduaneiro Marítimo e Portuário pela Síntese.

Augusto Fauvel de Moraes é advogado, especialista em direito penal pela Unisul, Pós graduado em Direito Penal Econômico pela universidade de Coimbra, sócio do Fauvel e Moraes Sociedade de Advogados e Presidente da Comissão de direito aduaneiro da OAB/SP.

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Decisão aceita exceção de pré-executividade após julgamento dos embargos e reduz multa de ICMS de 400% s/ operação para 50% s/ a base

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Foi publicada dia 27/03/2015 decisão que acatou, em sede de exceção de pré executividade, a redução da multa equivalente a 400% do valor da operação, considerada confiscatória, para 50% do valor do imposto.

Segundo a decisão proferida:

“…o percentual adotado, se mostra desproporcional e com efeitos confiscatórios, mormente em se considerando que se trata de empresa de pequeno porte, podendo, então, ser mitigada, pois não se coaduna com a razoabilidade à qual se deveria ater o órgão autuante, sendo pertinente, nas circunstâncias, a sua redução ao patamar de 50% sobre a base de cálculo representada pelo imposto devido.

A propósito da possibilidade de mitigação das multas aplicadas aos contribuintes, a jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal, firmada em repercussão geral, já definiu que “a aplicação da multa moratória tem o objetivo de sancionar o contribuinte que não cumpre suas obrigações tributárias, prestigiando a conduta daqueles que pagam em dia seus tributos aos cofres públicos. Assim, para que a multa moratória cumpra sua função de desencorajar a elisão fiscal, de um lado não pode ser pífia, mas, de outro, não pode ter um importe que lhe confira característica confiscatória, inviabilizando inclusive o recolhimento de futuros tributos” (v. RE nº 582.461/SP, Tribunal Pleno, relator Ministro GILMAR MENDES, j. 18/05/2011, DJe 18/08/2011). (…)”

Além da decisão favorável ao contribuinte, o que chama a atenção ao caso é que a foi proferida no âmbito de exceção de pré-executividade, após o executado ter oposto embargos à execução que já havia sido julgado definitivamente.

A juíza decidiu a apreciar a exceção, pois a matéria alegada nos embargos foi diferente, além de se tratar de tema que pode ser conhecido de ofício, pois se trata de nulidade absoluta.

A decisão foi proferida pela Juíza Gabriela Müller Carioba Attanasio da Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Carlos, no Processo 0011774-71.2006.8.26.0566 (566.01.2006.011774), processo conduzido pelo advogado Augusto Fauvel de Mores.

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Não cabe multa de mora pela não realização da exportação no drawback suspensão, se os tributos forem recolhidos em até 30 dias

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O regime de drawback, que foi instituído em 1966, permite que sejam realizadas importações desoneradas da incidência de tributos relacionados a uma promessa de exportação.

Referido regime progrediu no tempo e atualmente existe o chamado drawback integrado suspensão, instituído em 25 de março de 2010, com base na Lei nº  11.945/09, que admite também, a desoneração de tributos na compra de insumos dentro do país.

Em outras palavras, o drawback integrado suspensão, se caracteriza pela compra no mercado interno ou pela importação, de maneira associada ou não, de produtos para utilização ou consumo na industrialização de bem que será exportado, com suspensão dos tributos exigíveis na importação e na aquisição no mercado interno.

Por meio do drawback suspensão, as compras de insumos importados ou nacionais, a serem utilizados na industrialização de produtos de exportação se dão com a suspensão dos seguintes tributos – II, IPI, PIS/COFINS e ICMS/importação. Quando da exportação do produto final, a suspensão se transforma em isenção.

Pois bem, se a empresa não conseguir exportar os produtos, deverá em 30 dias, contados a partir da data-limite para exportação (validade do Ato Concesssório): (a) proceder a devolução/reexportação ao exterior da mercadoria não utilizada; (b) destruir a mercadoria imprestável ou da sobra; ou (c) destinar da mercadoria remanescente para consumo interno Na hipótese de nacionalização da mercadoria (letra c), deve recolher os tributos suspensos.

Segundo a lei, estes tributos devem ser pagos com os acréscimos legais. Contudo, no caso, existe controvérsia quanto à incidência de multa moratória.

De se salientar que a finalidade principal da multa moratória é desestimular o cumprimento da obrigação fora de prazo, é uma sanção para desestimular o atraso no pagamento dos tributos.

Em vista disso, existe o entendimento que no caso do drawback não pode se exigir multa moratória se os tributos forem pagos no prazo de 30 dias, pois (i) antes os tributos eram inexigíveis (por suspensão), e assim não havia mora e (ii) depois, não se realizando a exportação, a própria lei concede o prazo de 30 dias para pagamento, razão pela qual não ocorre qualquer irregularidade se os tributos forem pagos no prazo de 30 dias.

Em verdade, o Poder Judiciário, especialmente no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, não vinham acolhendo a desoneração da multa.

Contudo, recentemente o Superior Tribunal de Justiça decidiu em um julgamento (REsp 1218319/RS) que “efetuado o pagamento no prazo previsto pelo Decreto (trinta dias após a não concretização das exportações), não se justifica a aplicação de penalidade em razão da mora”.

Referido precedente é importante e sinaliza que o entendimento pode virar em pról dos exportadores.

Eis a ementa comentada:

“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO E  IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. REGIME DE IMPORTAÇÃO DRAWBACK. SUSPENSÃO. NÃO CUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES. RECOLHIMENTO DOS TRIBUTOS. MULTA MORATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA.

  1. Caso em que o contribuinte optou pela realização de importação de insumos pelo regime de drawback na modalidade suspensão, pelo qual os impostos incidentes sobre a importação (II e IPI) ficam suspensos até a posterior exportação das mercadorias produzidas, em prazo determinado. Ocorre que não houve a referida exportação, de sorte que a contribuinte efetuou o pagamento dos tributos, acrescidos de juros e correção monetária, entretanto, sem o recolhimento da multa moratória. Discute-se, então, a incidência ou não da referida multa nessas situações.
  2. A multa moratória consiste em sanção imposta ao contribuinte que desrespeita o prazo de pagamento do tributo (pagamento a destempo), de forma que tem nítido caráter sancionatório e, ao mesmo tempo, a finalidade de coibir a referida prática.
  3. Na espécie, não se configura o fator determinante à incidência da multa de mora, qual seja: a prática da irregularidade consistente no atraso do recolhimento, pois é o próprio Decreto 4.543/02, no intuito de incentivar as exportações de bens fabricados no País, que determina a suspensão da exigibilidade dos tributos por período determinado, bem como prevê a possibilidade de seu recolhimento em momento posterior, caso a exportação não se realize.
  4. Efetuado o pagamento no prazo previsto pelo Decreto (trinta dias após a não concretização das exportações), não se justifica a aplicação de penalidade em razão da mora.
  5. Recurso especial não provido”. (REsp 1218319/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 02/09/2014)

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Receita Federal reconhece que se for editada lei nova aplicando pena pecuniária mais leve, prevalece a nova lei

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No dia 08 de agosto de 2012 foi publicada a Solução de Consulta Interna Cosit nº 14 da Secretaria da Receita Federal do Brasil consolidando o entendimento de que “lei nova que comine penalidade menos severa do que a aplicada a débito tributário objeto de parcelamento aplicasse a acordos celebrados antes de sua edição”.

Este assunto não é novo e a Receita Federal somente corroborou o entendimento que há muito tempo está consolidado pelo Poder Judiciário.

A jurisprudência do STJ entende que o art. 106 do CTN confere ao contribuinte o direito de se beneficiar da incidência da lei posterior mais benéfica, desde que a demanda não tenha sido definitivamente julgada, sendo irrelevante ter o fato gerador do tributo ocorrido em data anterior à vigência da norma. Entende também que “a concessão de parcelamento do crédito tributário não constitui óbice, enquanto perdurar o cumprimento do acordo, à aplicação retroativa de lei posterior que comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da prática do ato” (REsp 1056371/SC DJe 28/03/2011 e mais recentemente AgRg no REsp 1269018/RS, DJe 27/02/2012).

A regra geral no direito tributário é o da irretroatividade da lei. Isto está previsto no art. 150, inciso III, letra “a” da Constituição Federal que enuncia que é proibido à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.

Vale dizer, a lei tributária jamais pode atingir a fatos acontecidos antes a sua entrada em vigor se esta retroatividade causar onerosidade ao contribuinte.  No entanto, a lei pode retroagir, desde que em benefício do contribuinte. Assim, se em uma lei nova houver previsão de penalidade menor, o contribuinte será beneficiado.

Nesse sentido o artigo 106 do Código Tributário Nacional, que estabelece a retroatividade da lei “penal” benéfica, nos seguintes termos:

“Art. 106 – A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

II- tratando-se de ato não definitivamente julgado:

(…)

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática”.

Interessante notar que a jurisprudência do STJ vai mais além e já se consolidou no sentido de que:

(i) O CTN tem natureza de lei complementar, e por isto, mesmo que exista uma outra lei (que não seja lei complementar) prevendo o contrário, deverá prevalecer o art. 106 do CTN, que assegura a incidência de pena mais benéfica (neste sentido o REsp 273.134/RS, e REsp 542.766/RS).

(ii) É possível na hipótese de lei nova que comine penalidade mais benéfica, a diminuição da pena, de ofício, pelo juiz. Desta forma, mesmo que em um determinado processo, o contribuinte não tenha pedido ao juiz a redução da multa, o magistrado pode decretar a diminuição da penalidade sem que a parte tenha requerido(neste sentido AgRg no Ag 1083169/SP)

Segue abaixo o link da decisão proferida Solução de Consulta Interna Cosit nº 14 da Secretaria da Receita Federal do Brasil:

Clique para acessar o SCICosit142012.pdf

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CARF ou Poder Judiciário, qual a melhor escolha?

duvidannn

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As empresas com freqüência se vêm diante do seguinte dilema: Qual a melhor estratégia a adotar de modo a garantir uma menor carga tributária? É melhor procurar o CARF ou o Poder Judiciário? O CARF é um tribunal administrativo especializado e muito respeitado pelos profissionais da área tributária.  Por outro lado, existe o Poder Judiciário que pode assegurar diversos direitos ao contribuinte.

Em verdade não se trata apenas da melhor estratégia, existem diversos fatores que direcionam necessariamente para um ou outro caminho. As duas esferas, administrativa e judicial, são eficientes dentro da sua competência. É importante ter claro que as razões de existir, as atribuições e os objetivos dos tribunais administrativos e judiciais são completamente diferentes. Em alguns casos o CARF pode ser uma opção interessantíssima, em outros casos, apenas o Poder Judiciário pode dar uma solução eficiente à questão. É preciso entender os dois para saber como melhor utilizá-los.

Quando os Tribunais Administrativos Tributários foram criados, tinham por objetivo principal exercer controle sobre seus próprios agentes. Por exemplo, se ocorresse erro ou arbitrariedade por parte de um agente fiscal, o contribuinte reclamava junto ao órgão competente e o ato do fiscal (auto de infração lavrado) era analisado por outros agentes fiscais, que o mantinham ou o alteravam (a alteração poderia acabar inclusive piorando a situação do contribuinte).

Hoje esta forma se sofisticou. Há muito tempo nos Tribunais Administrativos existem representantes também dos contribuintes, mas a idéia principal continua exatamente a mesma. Tanto é assim, que quando se julga um processo administrativo, os julgadores convalidam o procedimento fiscal e mantêm o auto de infração, ou julgam improcedente o lançamento realizado, ou ainda anulam apenas uma parte do lançamento.

Também por esta razão é que na discussão administrativa a exigibilidade do crédito tributário se suspende. De fato, quando há uma impugnação do contribuinte, o lançamento pode vir a ser alterado pela própria Administração Pública, razão pela qual no decorrer do processo administrativo, o crédito não pode ser exigido. Somente com o julgamento definitivo no Tribunal Administrativo, o crédito tributário se torna indiscutível no âmbito da Administração e o tributo poderá ser exigido do contribuinte.

Pelos motivos mencionados, o CARF, que é um tribunal administrativo, somente julga casos em que o contribuinte já foi autuado. Na esfera administrativa, o contribuinte sempre tem uma posição passiva. Geralmente se trata de uma empresa que escolheu uma determinada estratégia tributária e a fiscalização entendeu que a estratégia adotada estava em desacordo com as leis e, em vista disso, lavrou um auto de infração.

O CARF também não tem competência para julgar qualquer defesa. Por exemplo, o CARF jamais poderá reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei, porque não é essa a sua finalidade, a sua função é aplicar a lei, e não julgar se a lei é válida ou inválida, somente o Poder Judiciário tem esta competência.

Por outro lado, ao Poder Judiciário cabe a função de fazer cumprir todas as leis do país, inclusive, a Constituição Federal, que é lei hierarquicamente superior às demais. O Poder Judiciário pode declarar nula uma lei, se esta lei entrar em conflito com a Constituição (lei inconstitucional). O Poder Judiciário pode anular as decisões de qualquer tribunal administrativo, inclusive as do CARF, se entender, por exemplo, que a decisão do Tribunal Administrativo está em desacordo com as leis.

Em vista dessas diferenças, passo dar exemplos de como utilizar melhor o CARF e o Poder Judiciário.

Pois bem, imagine a seguinte situação, a empresa foi autuada porque a fiscalização entendeu que ela pagou a menor um tributo. Ela deve ir ao CARF ou pedir a anulação do auto de infração perante o Poder Judiciário?

Depende. O CARF não pode julgar a inconstitucionalidade de uma lei. Assim, se a defesa for fundada apenas na legislação infra-constitucional e em fatos e provas documentais (se a prova documental e pericial resolvem a questão) a empresa deve procurar o CARF. Exemplo prático: Se há divergências na interpretação do sentido da lei tributária, o CARF pode ser procurado, como no caso em que se discute o sentido do termo “insumo” para fins de crédito de PIS e Cofins.

Mas, se a defesa for fundada em questões constitucionais o CARF é impedido de julgar o caso, então a empresa terá que ir ao Judiciário e pedir a anulação da auto de infração com base na inconstitucionalidade da exigência. Exemplo prático muito conhecido e que ocorreu num passado não muito distante é o da alegação de inconstitucionalidade da inclusão de receitas financeiras na base de cálculo do PIS e da Cofins da Lei 9.718/98. Esta questão somente poderia ser apreciada pelo Judiciário, pois a principal alegação era de inconstitucionalidade da lei. Ao final, o STF declarou inconstitucional o alargamento da base de cálculo.

E se no caso houver dois fundamentos de defesa, um de ordem constitucional e outro ligado à lei ordinária, o que fazer?

Se o fundamento de ordem legal for muito forte a empresa pode tentar uma defesa junto ao CARF. Se sair ganhadora, ótimo. Se sair perdedora, ainda tem a opção de pleitear perante o Judiciário a anulação da decisão do CARF com base na  questão constitucional e levar novamente à apreciação do Judiciário as questões legais e as provas. É bom esclarecer que em casos nos quais a matéria de prova é complexa, o juiz nomeia um perito de sua confiança e as partes também indicam seus assistentes técnicos.

Se a empresa está pagando um imposto, que foi criado por uma lei inconstitucional e quer deixar de pagá-lo?

A única via para evitar o pagamento, nesta hipótese, é por meio do Poder Judiciário.

Outra questão que se coloca ocorre quando a empresa adota um procedimento controverso (quando não há unanimidade acerca do melhor procedimento). O que deve fazer? (i) Tomar uma posição ativa e procurar o Poder Judiciário para assegurar o seu procedimento, ou (ii) ficar quieta e na hipótese do fisco autuar, apresentar defesa perante o CARF?

Pois bem, a principal vantagem de adotar a opção (ii) é que se a empresa tiver sorte, talvez jamais seja autuada e, passados cinco anos, se não houve autuação, o fisco não poderá exigir mais nada por força da decadência (isto está se tornando cada vez mais difícil, porque a fiscalização federal tem atuado de forma contundente).

Por outro lado, as vantagens de procurar o Poder Judiciário adotando uma posição ativa é que a empresa pode evitar uma autuação fiscal enquanto discute a questão. De fato, uma liminar ou o depósito dos valores controversos, suspende a exigibilidade de crédito tributário e impede o lançamento pela fiscalização.

Noto que evitar o lançamento é um cuidado que não deve ser desconsiderado no momento da escolha da estratégia, pois é de conhecimento geral que quando a fiscalização lavra um auto de infração são aplicadas multas de ofício no patamar de 75%, e se o contribuinte for acusado de sonegação, sobe à casa dos 150%. Acrescidos dos juros SELIC, os autos de infração atingem valores astronômicos e, se ao final o contribuinte não tiver sucesso, o benefício que obteve se converte em um débito, em média, três vezes maior à economia realizada. Há um risco muito grande em esperar uma autuação. O contribuinte deve estar muito bem calcado e documentado para assumir este risco.

A desvantagem de procurar o Judiciário é que, se não for concedida uma liminar, o contribuinte não poderá usufruir imediatamente do benefício econômico, pois se quiser manter suspensa a exigibilidade do crédito tributário deverá fazer um depósito. Na hipótese de depósito, se ao final sair vencedor, usufruirá de todo o benefício e levantará os valores depositados sem correr o risco de aumentar o seu passivo com um auto de infração.

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